“...Sigo às
vezes em mim... essas coisas deliciosas e absurdas que eu não posso poder ver,
porque são ilógicas à vista - pontes sem princípio nem fim, paisagem invertida
- o absurdo, o ilógico, o contraditório, tudo quanto nos desliga e afasta do
real e do seu séquito... O absurdo salva de chegar... aquele estado de alma que
começa por se sentir a doce fúria de sonhar. E eu chego a ter não sei que
misterioso modo de visionar esses absurdos... vejo essas coisas inconcebíveis à
visão.”
O LIVRO do
Desassossego, p.345, Fernando Pessoa.
Num filme, o
personagem médico legista descrevia óbitos dentro de sua mente. Ele só podia se
relacionar com os corpos, e O CORPO, era um corpo morto. Fixado na sua
profissão e no seu modo de operá-la, descrevia o estado dos corpos dentro do
padrão do seu registro de óbito: “... alto teor de amargura em sua bílis... a
rigidez de sua arcada dentária não deixava escapar nenhuma evidência de sorriso
sincero... a causa morte é clara: FALTA DE AMOR... Todos querem escapar à morte
sem este fim...”.
Peguei-me
pensando no modo de operação do personagem como o de alguém que sofre de FALTA
DE AMOR descrevendo o modo operante de sociedade. Só podemos descrever um modo
de ver onde FALTA AMOR a todos os que nos envolvemos ou em qualquer possível
relação. Corpos que irão um dia encontrar a morte, sem evidenciarem o AMOR, a
VIDA, etc. Aparentemente vivos, mas sem possibilidades de viver, muito menos
amar.
Formas
de viver que descrevem nosso modo de vida atual: não planeja nem compartilha
existência de viver e amar.
O
amor como exercício, uma possibilidade. Que diferente da morte pode acontecer ou
não, se houver vida, amor e compartilhamento. Um processo que arrisca encontrar
os outros em estado de amor e a experiência da aventura deste encontro até
outros encontros, ou desencontros. Além de conseguirmos perceber mais que
apenas corpos, podemos permitir encontrarmos alguém que se sinta mais que
corpo? Do modo como o ditado Balzaquiano: “Sempre chega uma idade em que a vida
não passa de um costume exercido em um meio preferido”? (A Comédia Humana,
Gobseck).
Este
“meio” refere-se a um único modo de vida: o “costume exercido” de forma
defensiva, durante anos e tornado modo de VIDA; Um único modo que nos defende
de nós mesmos, da vida e dos possíveis AMORES. Um modelo que cultiva morte. Este
modo deixa de fora AMOR, VIDA e nós mesmos.
Abrem-se
campos de conflitos e modos de sofrer social, criando espaços vazios
preenchidos pelas mais variadas drogas, anestésicos para o sofrimento: lícitas,
ilícitas, doentias e até as mais saudáveis. Nos suicídios, em alguns casos mais
graves de depressão, a morte passa a ser um modo de operar e dialogar com a
vida...
Se
a morte tornar-se a única forma de diálogo com a vida, os amores logo passarão
a ser um modo de operar o equívoco de falsos amores destinados ao fracasso.
Quando permitimos algum modo de desassossego nos nossos planos de vida podem
começar a surgir outras formas de existir que não se console somente com o
costumeiro, nos desafiando viver e AMAR com menos anestésicos e A+morte+cedores e menos drogas de
amortecimento para a vida, para os amores, suas dores e os risco de suas possibilidades.
publicado em junho de 2013
Jornal Litoral Norte
Ângela Barcelos da Silva
CRP 07/17787
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